Somos parte da natureza

O rompimento da barragem do Córrego do Feijão no município de Brumadinho-MG nos reuniu em torno de um estado psicológico de perplexidade. Isso mesmo! Estamos perplexos com a indiferença à vida, especialmente à vida humana. Na condição de espécie biológica temos, no mínimo, o dever de preservá-la. É evidente, que este ocorrido destaca-se pela dimensão ambiental, pelo amplo desencarne coletivo e pelo modo como ocorreu. No entanto, temos exemplos deste descuido diariamente e, frequentemente, muito perto de nós. A doutrina espírita nos consola conclamando a confiar nos desígnios de Deus e assim nos oferece um lenitivo. Ela nos exorta à fé! Mas também nos convida a aprender com os erros e agir para que a evolução se processe em nossas vidas como lei divina.

Acreditar simplesmente que “tinha que ser assim”, anula todo o esforço humano de preservação, toda inteligência, criatividade, toda ciência, toda liberdade que Deus, na sua infinita bondade e sabedoria, permitiu que alcançássemos após uma longa jornada pelos reinos da natureza. O espírita necessita humildemente reconhecer que ainda não se encontra nas condições intelectuais e morais ideais para entender definitivamente acontecimentos como esse. E a prova disso é o reduzido número de fontes de informações verdadeiramente confiáveis em nosso meio. Emmanuel, por exemplo, nos diz que “O determinismo e o livre arbítrio coexistem na estrada da vida para ascensão do homem”1. No entanto, como eles se processam na sua vida, na minha vida, enfim, ainda é algo a se estudar. O fato é que o ocorrido provocou dor nos corações humanos e destruição ecossistêmica. Mas porque isso acontece?

O apóstolo Paulo em uma de suas cartas asseverou que “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos. ”2 Sabemos que o dinheiro, por si mesmo, não é bom ou ruim. Mas a cobiça faz com que ele seja convertido frequentemente em paixões conflituosas com as reais necessidades do espírito em jornada evolutiva. O resultado é a infelicidade – efeito de uma vida urgente, pautada na necessidade de satisfazer os desejos de agora vivendo a ansiedade da conquista a qualquer preço.

Consequentemente, muitos vivem como se não pertencessem à natureza. Como se não fizessem parte dela. Vivem menosprezando a reencarnação desconsiderando que a alma no corpo, no aprendizado na escola da Terra, depende do ar adequado, da água dos rios em condições de saciar a sede, do equilíbrio das florestas, da harmonia das cadeias alimentares. “Assim, tudo no Universo se liga, tudo se encadeia, tudo se acha submetido à grande e harmoniosa lei de unidade” 3. O teólogo Leonardo Boff chama isso de “Universo autoconsciente e espiritual”. O jornalista André Trigueiro nos recorda que “a afirmação espírita de que todos nós passamos pelos diferentes reinos da Natureza em uma progressão contínua determina o aparecimento de uma nova ética em relação a todas as criaturas existentes”. 4

É isso! Necessitamos de uma nova ética. A ética do cuidado! Um cuidado que transcende o fazer bem apenas àqueles que nos fazem bem, pois dessa forma não haverá recompensa como nos ensina Jesus. O cuidado que desperta a noção clara da fraternidade legítima. E por mais que o evento trágico do desencarne coletivo em Mariana e Brumadinho possa servir individualmente ao progresso do espírito, pois “de todas as calamidades terrestres, o Homem se retira com mais experiência e mais luz no cérebro e no coração, para defender-se e valorizar a vida” 5, é imperioso ampliar a nossa visão de mundo, nossa noção de espírito em evolução. E nesse caso, a mesma lama que no momento simboliza a morte pode se converter em vida. “Dito isso, cuspiu na terra e, tendo feito lama com a saliva, aplicou-a aos olhos do cego, dizendo-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé. Ele foi, lavou-se e voltou vendo”6. É tudo que precisamos no momento. A visão clara que somos parte da natureza para exercermos o verdadeiro amor por tudo e por todos.

Vinícius Moura

1 XAVIER, F. Cândido. O Consolador. Federação Espírita Brasileira. 1940. 15ªed.Brasília.

2 1 Timóteo 6:10

3 KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap.XIV, item 12.

4 TRIGUEIRO, A. Ecologia e Espiritismo. Federação Espírita Brasileira.2009. 1ªed.Brasília

5 XAVIER, Francisco C. Autores diversos. Chico Xavier pede licença. S.Bernardo do Campo: Ed. GEEM. Cap. 19 6João 9:1-7.