Riqueza e miséria

No decorrer do culto do Evangelho no lar de dona Isabel, André Luiz percebeu claramente que o garoto Joãozinho não compartilhava o banquete de luzes que a Espiritualidade Superior oferecia aos presentes. Já sua mãe e as quatros irmãs permutavam vibrações luminosas, demonstrando que estavam perfeitamente identificadas e unidas naquele sublime ideal cristão. Não obstante, o menino que completava o núcleo familiar, permanecia alheio, distante do ponto de vista espiritual, não se envolvia, pois estava fechado em um verdadeiro círculo de sombras.

De vez em quando, irônico, dirigia um sorriso aos participantes do estudo, completamente insensível ao significado espiritual o momento proporcionava. Foi então que ele, de forma desrespeitosa, perguntou à dona Isabel: “Mamãe, que entende a senhora por pobreza?” [1] A nobre matrona não se fez de rogada e respondeu com muita serenidade: “Creio, meu filho, que a pobreza é uma das melhores oportunidades de elevação, ao nosso alcance. Estou convencida de que os homens afortunados têm uma grande tarefa a cumprir, na Terra, mas admito que os pobres, além da missão que lhes cabe no mundo, são mais livres e mais felizes.

Na pobreza, é mais fácil encontrar a amizade sincera, a visão da assistência de Deus, os tesouros da natureza, a riqueza das alegrias simples e puras. É claro que não me refiro aos ociosos e ingratos dos caminhos terrenos. Refiro-me aos pobres que trabalham e guardam a fé. O homem de grandes possibilidades financeiras muito dificilmente saberá discernir entre a afeição e o interesse mesquinho; crente de que tudo pode, nem sempre consegue entender a divina proteção; pelo conforto viciado a que se entrega, as mais das vezes se afasta das bênçãos da Natureza; e em vista de muito satisfazer aos próprios caprichos, restringe a capacidade de alegrar-se e confiar no mundo.” [1]

Mais uma vez dona Isabel deu prova de sua sabedoria. O fato de nascermos em famílias ricas ou pobres é uma condição inerente às nossas necessidades evolutivas e aos processos pelos quais precisamos passar para nossa evolução espiritual. Ninguém reencarna pobre ou rico por acaso. Aliás, nenhuma das circunstâncias da existência é obra do acaso. O assunto é palpitante e sempre dá margem para discussão. É melhor nascer sob qual condição: de pobreza ou de riqueza?

Na verdade, depende do que necessitamos para nosso crescimento na atual reencarnação. Porém, via de regra, para o homem comum a prova da riqueza é mais difícil de ser vencida. Em relação aos benefícios da pobreza nem é preciso comentar as ponderações extremamente pertinentes, sábias e claras de dona Isabel. Entretanto, entendemos que cabe algumas reflexões sobre a riqueza, considerada por muitos como uma grande vilã do Espírito.

Veremos que não é bem assim… Assevera Allan Kardec: “Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, ideia que repugna à razão. Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual.

É o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão. Mas, do fato de a riqueza tornar difícil a jornada, não se segue que a torne impossível e não possa vir a ser um meio de salvação para o que dela sabe servir se, como certos venenos podem restituir a saúde, se empregados a propósito e com discernimento.”[2]

Portanto, a riqueza não é um entrave total ao aperfeiçoamento espiritual, pois se fosse abolida da face da Terra causaria males imensos e seria a condenação do trabalho, meio pelo qual podemos obtê-la. Uma das consequências disso seria a recondução do homem à selvageria, o que estaria em flagrante contradição com a Lei do Progresso. Não obstante, precisamos ressaltar que a riqueza e a pobreza são, como tantos outros, recursos neutros que Deus oferece a Seus filhos. Nenhum desses recursos é bom ou mau.

Em verdade, tais recursos resultarão em bons ou maus frutos de acordo com a utilização que os homens lhe derem. Em outras palavras, são as pessoas que fazem da pobreza e da riqueza instrumentos de felicidade ou de infortúnio. Sendo assim, independentemente de onde estivermos e da situação em que nos encontremos, agradeçamos sempre a Deus pelas oportunidades de evolução que nos são concedidas. Avaliemos com serenidade e sobriedade todos os recursos que estão à nossa disposição e façamos bom uso deles, sempre visando o bem.

Valdir Pedrosa
[1] Os Mensageiros – Pelo Espírito André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier – capítulo 36 (Mãe e filhos).
[2] O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec – capítulo 16 (Não se pode servir a Deus e a Mamon) – item: Utilidade providencial da riqueza – provas da riqueza e da miséria.

 

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