Para onde você vai esta noite?

A Doutrina Espírita se destaca pela análise profunda dos aspectos comuns de nossas vidas. Ela ilumina e amplia, por exemplo, o nosso entendimento do nascimento e da morte, da saúde e da doença e o papel do corpo na evolução do espírito. Biologicamente, o corpo requer descanso e chamamos este período de sono. Acontece que insuspeitáveis fenômenos ocorrem todos os dias durante o descanso do corpo. A nossa saúde física e mental, nosso estado de ânimo, a predisposição para o trabalho, a qualidade das relações e a evolução moral do espírito dependem deste instante, conhecido entre os espíritas como emancipação da alma.

Emancipar é sinônimo de libertar-se, tornar-se independente. Também significa ter responsabilidade pelos nossos atos. Muitos creem que o sono é uma atividade automática, ou seja, passiva, guiada única e exclusivamente pelo domínio do sistema neuroendócrino. Quem assim o concebe acaba por abdicar-se de seu controle, o que significa abrir mão de aproximadamente um terço da nossa vida. Agindo assim, negligenciamos o processo e somos os únicos responsáveis pelas consequências que se apresentarão no dia seguinte. Segundo a obra máxima da codificação, “O Espírito jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, então, não precisando o corpo de sua presença, o espírito se lança no espaço e entra em relação mais direta com os outros espíritos1 ”. Frequentemente, essa liberdade deixa lembranças na forma de sonhos bem objetivos ou, ao contrário, intensamente enigmáticos. Conclusão, a emancipação da alma, algumas vezes chamada de desdobramento espiritual, é uma das maneiras em que se estabelece o intercâmbio entre o plano físico e o espiritual.

Para os leigos no conhecimento espírita, vale a pena ressaltar que não foi a doutrina codificada por Allan Kardec que inventou a emancipação da alma e tudo mais que lhe sucede. Sua veracidade é encontrada muito bem descrita em todos os tempos e em todas as artes. No evangelho de Mateus, encontramos a seguinte narrativa: “Depois que partiram, eis que um anjo do Senhor apareceu a José em sonho e lhe disse: ‘Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito. Permanece lá até que eu te diga, pois Herodes há de procurar o menino para o matar’”2 . Inúmeros relatos, inclusive autobiográficos, encontram-se na literatura científica. Em 1845, o inventor Elias Howe Jr. sonhou que estava sendo atacado por canibais. Ele notou que as lanças do sonho tinham furos nas pontas e assim imaginou como as agulhas de uma máquina de costura poderiam funcionar. Conta-se também, sem uma comprovação oficial, que o DNA foi visualizado em sonho por James D. Watson e a estrutura da tabela periódica por Dmitri Mendeleiev. Muito conhecida também é a história da composição da canção Yesterday, a música mais regravada da história, composta por Paul McCartney em 1965. Essa canção surgiu durante um sonho quando Paul tinha apenas 22 anos. O pintor e fotógrafo polonês Zdzisław Beksiński surpreendeu a comunidade artística com suas obras inspiradas no surrealismo. A intenção do artista era “pintar de uma maneira como se estivesse fotografando sonhos”, mas, ao que parece, elas acabaram retratando pesadelos. De 1990 em diante, sua vida foi curiosa e lamentavelmente marcada por tragédias. Vale destacar que, durante as noites e neste mesmo período, tornou-se comum a presença de avisos nas portas dos artistas: “Poetas trabalhando”.

Este tema é muito útil para os que acreditam na existência do espírito e muito perigoso para os que descreem na atividade da alma mesmo durante o repouso do corpo. A grande questão que se apresenta aqui neste momento é: para onde vai e o que faz o espírito durante a emancipação da alma? Há quem diga que dormir é uma experiência da morte. Pela lei do esquecimento do passado, não posso assinar embaixo, pois não me lembro de como é morrer. No entanto, há muita similaridade entre dormir e morrer. Uma delas é que, durante o sono ou diante da morte, nós seguimos a direção dos nossos sonhos. Confuso? Explico. Cada alma vibra em determinada faixa e se move entre os limites extremos que nos sustentam. Nosso nascimento na Terra é a própria constatação dessa realidade. Nascemos na Terra e não em Júpiter, pois possuímos o passaporte “biopsiquicoespiritual” condizente com o planeta azul, e não com o gigante gasoso. Da mesma forma, seremos irresistivelmente atraídos para os ambientes e para as almas que se afinizam conosco. Nenhuma novidade aqui. Não é exatamente o que acontece hoje em sua vida? Você não está em ambientes e convivendo com pessoas necessárias para o seu progresso espiritual? De uma forma ou de outra, não foi você que escolheu? O Cristo resumiu esse fenômeno espiritual da seguinte forma: “Onde está o seu tesouro, aí estará o seu coração”. Simples assim. Suas preferências definirão paisagens, cenários, sensações e suas companhias espirituais.

Mas, o que fazer para evoluir nesse contexto? Estudo, humildade e mudança de hábitos são imprescindíveis. Assim como nos preparamos para sair de casa para trabalhar ou para ir a uma festa, é necessário nos prepararmos para adentrar a faixa sutil na qual a alma curtirá sua emancipação. E muita atenção ao longo do dia, pois o modo como vivenciamos as horas são determinantes para a qualidade do sono à noite. A boa notícia é que podemos elevar em diversos graus a nossa faixa vibracional. Mantenha conversações elevadas ao longo do dia, providencie alimentação mais leve antes de adormecer, pratique atividade física moderada, beba água, selecione vídeos, programas de TV e boa leitura antes de emancipar-se e não subestime a força da oração. Lembre-se: O sono é uma necessidade de repouso do corpo e a emancipação da alma uma oportunidade para o espírito. E por falar nisso, aonde você vai esta noite?

Vinícius Moura Referências

[1] O Livro dos Espíritos. Parte Segunda – “Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos” – Capítulo VIII – “Da emancipação da alma”. [2] Evangelho de Mateus (2:13).