Assistência espiritual: serve e passa

Seguindo as orientações de Aniceto e se lembrando dos ensinamentos de Narcisa, André Luiz se aproximou de uma senhora desencarnada que se encontrava aguardando os trabalhos de assistência na residência de dona Isabel e Isidoro. O ex-médico da Terra abordou-a com firmeza e energia, mas também com ternura e compreensão, conduzindo-a ao passe reconfortador. A pobre irmã afirmou que não enxergava nada, pois era vítima de tracoma (doença inflamatória ocular causada pela bactéria Chlamydia trachomatis) e queria ver novamente. Foi então que percebemos o surgimento de um novo André, uma vez que, naquele momento, ele não se movia pela curiosidade e nem pelos aspectos científicos da doença. Sua postura era a de um servidor que buscava captar a confiança daquela senhora, identificando nela uma irmã sofredora e necessitada de seus cuidados. Sugeriu a lembrança de Jesus curando cegos, iluminando-os e guiando-os pelos caminhos do mundo. Ele começava a se despir do médico e a se transformar no trabalhador do Cristo. Surpreso com o que ocorria em sua intimidade, percebeu que, à medida que se dedicava à prática do amor fraternal, uma estranha luz começou a iluminar e aquecer sua fronte.
Lembrando-se da poderosa influência divina do Mestre, André começou a aplicar os passes sobre os olhos da desencarnada, atentando para as terríveis consequências do tracoma. Simultaneamente, dizia palavras de bom ânimo e esperança, enquanto se concentrava em seu potencial magnético. Para sua surpresa, dentro de poucos instantes a irmã gritou, assombrada e feliz, que estava enxergando. Louvando e agradecendo a Deus efusivamente, ajoelhou-se, dirigiu-se ao nosso amigo e perguntou: “Quem sois vós, emissário do bem?”[1] Muitos se perdem em situações como essa, deixando o orgulho e a vaidade falarem mais alto, se colocando como excepcionais médiuns de cura e grandes intermediários dos espíritos superiores. Humilde, reconheceu suas limitações e ponderou consigo mesmo: “Quem era eu para curar alguém? Mas a alegria daquela entidade, libertada das trevas, afirmava a ocorrência na qual não queria acreditar. A luz daquela dádiva como que mostrava mais fortemente o fundo escuro de minhas imperfeições individuais e o pranto inundou-me as faces, sem que pudesse retê-lo nos recônditos mananciais do coração. Enquanto a enferma espiritual se desfazia em lágrimas de louvor, também eu me absorvia numa onda de pensamentos novos.”[1]
Todavia, André começava a se entrelaçar em um inusitado deslumbramento íntimo. Constantemente atento às necessidades de seus pupilos, Aniceto se aproximou e falou delicadamente: “(…) a excessiva contemplação dos resultados pode prejudicar o trabalhador. Em ocasiões como esta, a vaidade costuma acordar dentro de nós, fazendo-nos esquecer o Senhor. Não olvides que todo o bem procede dEle, que é a luz de nossos corações. Somos seus instrumentos nas tarefas de amor. O servo fiel não é aquele que se inquieta pelos resultados, nem o que permanece enlevado na contemplação deles, mas justamente o que cumpre a vontade divina do Senhor e passa adiante.”[1] Ensinamento de fundamental importância para todos que laboram na seara espírita: é preciso ficar claro que atuamos como instrumentos e parceiros da Espiritualidade Amiga, porém não podemos nos esquecer de que o trabalho pertence a Jesus. Nas mais diversas circunstâncias com que nos deparamos na vida, devemos sempre nos esforçar ao máximo para fazer tudo que estiver ao nosso alcance em benefício do próximo e em prol da divulgação do Espiritismo. Contudo, é preciso nos lembrar que os resultados pertencem ao Mestre, tendo em vista que, invariavelmente, há situações que não conhecemos ou não prevemos. O essencial é continuamente darmos o melhor de nós, fazermos a nossa parte bem feita e colocar nas mãos da Espiritualidade Superior aquilo que não nos compete. Paulo, o apóstolo dos gentios, também entendia assim: “Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento.”[2] Em seguida, carinhosamente, André se aproximou da senhora desencarnada e orientou-lhe que agradecesse a Jesus pela dádiva recebida e que voltasse o olhar para dentro de si mesma, consagrando ao Cristo os dons da visão.
Na sequência do trabalho, ele atendeu mais cinco desencarnados, sendo que um deles apresentou considerável melhora, mas isto não ocorreu com os demais. Ao término, André Luiz e Vicente se reuniram com Aniceto, a fim de trocarem impressões sobre os atendimentos realizados pela madrugada afora, espantados e comovidos pela grande quantidade de entidades perturbadas em diversos graus de desequilíbrio. Em tom grave, o querido benfeitor comentou: “As atividades de assistência se processam conforme observam aqui. Alguns se sentem curados, outros acusam melhoras e a maioria parece continuar impermeável ao serviço de auxílio. O que nos deve interessar, todavia, é a semeadura do bem. A germinação, o desenvolvimento, a flor e o fruto pertencem ao Senhor. (…) Devemos esmagadora percentagem desses padecimentos à falta de educação religiosa. Não me refiro, porém, àquela que vem do sacerdócio ou que parte da boca de uma criatura para os ouvidos de outra. Refiro-me à educação religiosa, íntima e profunda, que o homem nega sistematicamente a si mesmo.”[1]

Valdir Pedrosa

[1] Os Mensageiros – Pelo Espírito André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier – capítulo 44 (Assistência).
[2] 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios – 3:6.

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