Objetivos da encarnação

Ao nos nos reconhecermos como Espíritos eternos, criados simples e ignorantes, porém sujeitos à lei do progresso, e nos conscientizarmos de que a verdadeira vida é a espiritual (tanto que a experiência material é passageira), somos levados quase que intuitivamente a nos questionar acerca da necessidade e dos objetivos da encarnação dos Espíritos. 

Allan Kardec, com o seu rigor metodológico e pedagógico, não deixou de abordar esse relevante tema junto aos Espíritos da codificação, o que foi feito nas perguntas 132 e 133 de O Livro dos Espíritos, as quais serão estudadas neste artigo. 

De forma direta, Allan Kardec questionou os Espíritos da codificação, na pergunta 132 de O Livro dos Espíritos, qual seria o objetivo da encarnação dos Espíritos, ao que os instrutores espirituais assim responderam: 

“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da Criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.” 

Buscando extrair o espírito da letra, vemos que são várias as lições trazidas pelos instrutores espirituais na resposta citada. De início, observarmos que a encarnação é uma imposição de Deus, ou seja, durante o processo evolutivo do Espírito passará ele pela encarnação, pois tal experiência é necessária para se chegar à perfeição, conforme nos orientam os instrutores espirituais. 

E tal imposição não significa dizer que toda e qualquer encarnação (ou reencarnação) do Espírito será obrigatória, até mesmo porque, a depender do grau evolutivo do Espírito, poderá ele ter reencarnações voluntárias. A imposição a que aludem os instrutores espirituais é para que o Espírito, durante a sua história evolutiva, passe pela experiência encarnatória. 

E isso valerá, inclusive, para os Espíritos que desde o princípio seguiram o caminho do bem. Sobre esse ponto, nos esclarecem os instrutores espirituais, ao responder à pergunta de número 133, que: “Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito”. 

Se a vivência da experiência encarnatória é uma imposição a todos os Espíritos, isso não significa dizer que todos deverão passar pela mesma quantidade de tal experiência e nem segundo as mesmas circunstâncias. A quantidade e a forma de nossa experiência encarnatória dependerão da maneira como decidirmos conduzir o nosso processo evolutivo, a partir do uso de nosso livre-arbítrio. 

Assim, aliás, nos esclarecem os instrutores espirituais na resposta à pergunta contida na letra “a” da questão de número 133 de O Livro dos Espíritos, de que o bom uso do livre arbítrio tende a abreviar o caminho, mas não retirar dele as experiências evolutivas. Conforme nos esclareceram os instrutores espirituais, os Espíritos que, desde o princípio, seguem o caminho do bem “Chegam mais depressa ao fim. Demais, as aflições da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originaram desses defeitos”. 

Trabalhando esse tema, Allan Kardec, em A Gênese (FEB: 2008:249-250), nos explica que: “À medida que progride moralmente, o Espírito se desmaterializa, isto é, depura-se, com o subtrair-se à influência da matéria: sua vida se espiritualiza; suas faculdades e percepções se ampliam; sua felicidade se torna proporcional ao progresso realizado. Entretanto, como atua em virtude do seu livre-arbítrio, pode ele, por negligência ou má vontade, retardar o seu avanço; prolonga, conseguintemente, a duração de suas encarnações materiais, que, então, se lhe tornam uma punição, pois que, por falta sua, ele permanece nas categorias inferiores, obrigado a recomeçar a mesma tarefa. Depende, pois, do Espírito abreviar, pelo trabalho de depuração executado sobre si mesmo, a extensão do período das encarnações”. 

Prosseguindo na reflexão da resposta à pergunta 132 de O Livro dos Espíritos, acima citada, vemos que a encarnação, ao mesmo tempo em que permite a busca pela evolução espiritual, o que se dá com a luta contra as adversidades da vida e com os esforços necessários à própria sobrevivência do ser, também se mostra como instrumento por meio do qual o Espírito concorre para a obra geral da criação. 

A esse propósito, muito pertinente a lição trazida por Allan Kardec, em O Céu e Inferno (FEB, 2008:34), ao pontuar que: “A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso material pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades”. 

Detalhando esse tema, Allan Kardec, em A Gênese (FEB, 2008:248-249), pontua que: “A obrigação que tem o Espírito encarnado de prover ao alimento do corpo, à sua segurança, ao seu bem-estar, o força a empregar suas faculdades em investigações, a exercitá-las e desenvolvê-las. Útil, portanto, ao seu adiantamento é a sua união com a matéria. Daí o constituir uma necessidade a encarnação. Além disso, pelo trabalho inteligente que ele executa em seu proveito, sobre a matéria, auxilia a transformação e o progresso material do globo que lhe serve de habitação. É assim que, progredindo, colabora na obra do Criador, da qual se torna fator inconsciente”. 

Interessante observar, pois, que a experiência encarnatória é de suma importância para o processo evolutivo do Espírito. Ao vivenciar as dificuldades da matéria, o Espírito encarnado se vê obrigado a lutar para manter a sua sobrevivência, a educar-se e a conquistar virtudes com as condições de que dispõe. E, para isso, torna-se necessário encontrar meios e desenvolver pesquisas para viabilizar a sua própria existência naquele mundo, esforços que acabam por contribuir na evolução do orbe em que se encontra. 

Isso evidencia a solidariedade na criação. Como anota Allan Kardec na observação que faz na resposta à pergunta 132 de O Livro dos Espíritos, “A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do Universo. Deus, porém, na sua sabedoria, quis que nessa mesma ação eles encontrassem um meio de progredir e de se aproximar dele. Deste modo, por uma admirável lei da Providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza”. 

Cada nova experiência encarnatória representa uma oportunidade de evolução. “No intervalo de suas encarnações, o Espírito progride igualmente, no sentido de que aplica ao seu adiantamento os conhecimentos e a experiência que alcançou no decorrer da vida corporal: examina o que fez enquanto habitou a Terra, passa em revista o que aprendeu, reconhece suas faltas, traça planos e toma resoluções pelas quais conta guiar-se em nova existência, com a ideia de melhor se conduzir. Desse jeito, cada existência representa um passo para a frente no caminho do progresso, uma espécie de escola de aplicação” (A Gênese, FEB, 2008:249). E assim caminha o Espírito para a luz. 

Como se vê, a nossa experiência na vida corpórea é de suma importância para o nosso progresso e para a evolução do orbe em que habitamos. Que possamos, cientes disso, aproveitar cada instante nessa escola abençoada que é a Terra, utilizando as oportunidades que a vida nos oferece como degraus de nossa escalada evolutiva, na certeza de que Deus, nosso Pai, acompanha, amorosa e cuidadosamente, todos os nossos passos. 

Frederico Barbosa Gomes