Povoamento da Terra e diversidades das raças humanas
Depois de se dedicar à compreensão do processo de formação dos mundos e dos seres vivos no geral, no mesmo Capítulo III da Parte Primeira de O Livro dos Espíritos – o qual se destina a estudar a Criação como um dos elementos das Causas Primárias, base científica da doutrina espírita, Allan Kardec voltou sua atenção para o surgimento, povoamento da Terra e para a diversidade de raças humanas no nosso orbe, o que foi objeto das perguntas 50 a 54 de O Livro dos Espíritos, a seguir discutidas nesse artigo.
A explicação da origem da raça humana na Terra é tema controvertido, contando com versões de índole material, filosófica, evolucionista e mesmo puramente religiosa, fundadas, em certos casos, em interpretação literal de texto bíblico. Na realidade, na falta de elementos concretos e de registros históricos fidedignos que permitam ao homem descrever a sua ancestralidade, pulverizaram-se várias versões sobre o tema.
A despeito de tal polêmica, o que os Espíritos da codificação deixam claro na pergunta 50 de O Livro dos Espíritos é que a raça humana não começou por um único homem e que Adão não foi o primeiro e nem mesmo o único a povoar a Terra. A bem da verdade, como ensinam os Espíritos da codificação na pergunta 51 Adão teria vivido mais ou menos cerca de 4000 anos antes de Cristo, o que nos permite concluir que a referência a ele feita é simbólica e alegórica – estilo de escrita comum nos textos bíblicos -, o que não o transforma no primeiro homem da Terra.
A esse propósito, veja a nota explicativa desta mesma pergunta em que Allan Kardec pontua que: “O homem, cuja tradição se conservou sob o nome de Adão, foi dos que sobreviveram, em certa região, a alguns dos grandes cataclismos que revolveram em diversas épocas a superfície do globo, e se constituiu tronco de uma das raças que atualmente o povoam. As leis da Natureza se opõem a que os progressos da Humanidade, comprovados muito tempo antes do Cristo, se tenham realizado em alguns séculos, como houvera sucedido se o homem não existisse na Terra senão a partir da época indicada para a existência de Adão. Muitos, com mais razão, consideram Adão um mito ou uma alegoria que personifica as primeiras idades do mundo”.
Sobre ainda o fato de que Adão não teria sido o primeiro homem a habitar a Terra, a não ser de forma simbólica, interessante refletir sobre o fato de que, como consta no Livro de Gênesis, Caim e Abel foram filhos de Adão e Eva, tendo Caim matado Abel. Quando isso ocorre, Caim vai para a terra de Node, do lado oriental do Éden, tendo conhecido a sua mulher, que deu à luz a Enoque (Gênesis, 4:14-17). Logo, a menos que a mulher de Caim fosse a sua irmã, o que não nos parece ser o caso, a sua mulher não descende de Adão e Eva, o que reforça o entendimento de que Adão não teria sido o primeiro homem a habitar a Terra, havendo pessoas espalhadas pelo mundo.
Coerente com tal explicação, informam os Espíritos superiores na pergunta 53 de O Livro dos Espíritos que o homem surgiu em vários pontos do globo e em épocas variadas. E, como decorrência desse fato, aliado às diversas condições climáticas, de vida e de costumes, é que surgiram diferenças físicas e morais que distinguem as raças humanas na Terra, como se vê nas perguntas 52 e 53. Contudo, apesar das diferenças existentes entre os homens, constituímos uma mesma família, pois, como pontuam os Espíritos da codificação na alínea “a” da pergunta 53 “(…) porventura as múltiplas variedades de um mesmo fruto são motivo para que elas deixem de formar uma só espécie?”. O mesmo raciocínio, por evidente, se aplica à raça humana.
Ou seja: apesar de nossa diversidades de hábitos, de graus de desenvolvimento físico e moral, de cultura, entre outros, ensinam os Espíritos superiores, na pergunta número 54 que “todos os homens são irmãos em Deus, porque não são animados pelo espírito e tendem para o mesmo fim”, não tornando esse sentimento fraternal menos verdadeiro o fato de a espécie humana não ter procedido de apenas um indivíduo, como Adão, por exemplo. Dessa forma, a espécie humana não proveio de apenas um homem, no caso Adão, e,apesar das diferenças entre os seres humanos, as quais decorrem de clima, vida, costumes, épocas diferentes de surgimento, entre outros, integramos uma grande família, pois somos filhos de um mesmo Pai, o qual nos criou em momentos distintos segundo a Sua vontade.
Tal realidade fica mais fácil de compreender quando a analisamos sob a ótica espiritual, pois, quando o homem aqui aportou, não foi assim criado naquele instante, sendo, em verdade, resultado de um longo processo evolutivo, iniciado lá no reino mineral, que pode ter ocorrido no planeta Terra ou em outros orbes espalhados pelo universo. Com isso, as diferenças existentes entre os seres humanos são aparentes e jamais devem ser motivo para a exclusão, para a discriminação ou para a desconsideração de quem quer que seja, pois integramos, em essência, uma mesma família e somos filhos de um mesmo Pai, sendo marcados pela mesma essência e origem espiritual.
Frederico Barbosa Gomes