Vida e morte
Dando sequência aos estudos acerca do princípio vital, objeto do capítulo IV de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec formula aos espíritos da codificação as perguntas de número 68 a 70 para compreender o significado de vida e morte, temas de suma relevância em doutrinas espiritualistas, notadamente para a espiritista, à qual nos vinculamos.
Em que pese a discussão sobre vida e morte seja multifacetária e possa ser desenvolvida sob variados aspectos, deve-se ter em mente que o estudo proposto por Allan Kardec em torno do tema nas perguntas acima indicadas tinha como pano de fundo a sua relação com o princípio vital, objeto central do capítulo em estudo.
É nesse contexto que Allan Kardec questiona aos espíritos superiores, na pergunta 68 de O Livro dos Espíritos, qual a causa da morte dos seres orgânicos, ao que eles respondem que seria pelo esgotamento dos órgãos, afirmando ser possível comparar a morte à cessação do movimento de uma máquina desorganizada, pois, “(…) se a máquina está mal montada, cessa o movimento; se o corpo está enfermo, a vida se extingue”.
A vida depende, assim, da integridade, da harmonia e do ajuste da máquina orgânica, de modo que o seu desalinho poderá acarretar a morte do corpo, especialmente quando isso se dá em órgãos vitais, como o coração, que, apesar de sua importância, por ser máquina da vida, é apenas mais uma das peças essenciais do corpo humano, como esclarecem os espíritos da codificação na pergunta de número 69 da mesma obra.
Ocorrendo a morte, a matéria inerte se decomporá, originando novos organismos, e o fluido vital, como ensinam os espíritos superiores na pergunta 70, volta à massa de onde saiu, completando, assim, o ciclo contínuo da vida.
Em nota explicativa sobre o tema, Allan Kardec observa que:
“Morto o ser orgânico os elementos que o compõem sofrem novas combinações, de que resultam novos seres, os quais haurem na fonte universal o princípio da vida e da atividade, o absorvem e assimilam para novamente restituírem a essa fonte, quando deixam de existir.
Os órgãos se impregnam, por assim dizer, desse fluido vital e esse fluido dá a todas as partes do organismo uma atividade que as põe em comunicação entre si, nos casos de certas lesões, e normaliza as funções momentaneamente perturbadas. Mas, quando os elementos essenciais ao funcionamento dos órgãos estão destruídos, ou muito profundamente alterados, o fluido vital se torna impotente para lhes transmitir o movimento da vida, e o ser morre.
Mais ou menos necessariamente, os órgãos reagem uns sobre os outros, resultando essa ação recíproca da harmonia do conjunto por eles formado. Destruída que seja, por uma causa qualquer, esta harmonia, o funcionamento deles cessa, como o movimento da máquina cujas peças principais se desarranjam. (…)”. (LE. FEB, 2004:104)
Veja ainda que, como ensina Allan Kardec na nota explicativa à pergunta 70 de o Livro dos Espíritos, a quantidade de fluido vital nos seres orgânicos não é absoluta e nem é a mesma, variando entre espécies e entre indivíduos da mesma espécie. E a quantidade de fluido vital se esgota, tornando-se insuficiente para conservar a vida, podendo ser renovada pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm, além de se admitir que seja ele transmitido de indivíduo a outro, de modo a se prolongar a vida.
Um ponto importante a se destacar no contexto do estudo é que os termos “morte” e “desencarnação”, apesar de sua umbilical relação, não são sinônimos e nem ocorrem ao mesmo tempo. Isso porque, enquanto a morte refere-se ao perecimento e ao esgotamento do corpo físico, cujas causas podem ser várias, a desencarnação é o rompimento do laço que prende a alma ao corpo, libertando o espírito, que poderá ocorrer de maneira mais lenta ou rápida, serena ou perturbada, a depender da história de cada um. Assim, pode-se dizer que a desencarnação decorre da morte, e não o contrário, sendo esclarecedora a lição de Allan Kardec, abaixo citada, contida em A Gênese, p. 182:
“18. Quando um Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao germe que o atrai por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que o germe se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do princípio vital-material do germe, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo que se forma. É por isso que se diz que o Espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse germe, como uma planta na terra. Quando o germe chega ao seu pleno desenvolvimento, a união é completa e então nasce o ser para a vida exterior.
Por um efeito contrário, esta união do perispírito e da matéria carnal, que se efetuara sob a influência do princípio vital do germe, cessa desde que esse princípio deixa de atuar, em consequência da desagregação do corpo. Mantida até então por uma força atuante, tal união se desfaz logo que essa força deixa de atuar. Então o perispírito se desprende, molécula a molécula, conforme se unira, e o Espírito é restituído à liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo; esta é que determina a partida do Espírito”.
Assim, em termos de conclusão, temos que a vida, entendida como existência do Espírito, é eterna. Porém, a vida do corpo orgânico é limitada e o seu esgotamento, que pode se dar por causas diversas, acarreta a morte, tendo como reflexo a desencarnação, que será mais rápida ou demorada, serena ou conturbada, a depender da maneira como tivermos utilizado o nosso livre arbítrio e de como tivermos aproveitado a bendita oportunidade da reencarnação.
Frederico Barbosa Gomes