Assistência espiritual aos encarnados
Conforme informou Aniceto, o senhor Bacelar era o chefe de turmas de assistência aos encarnados. Como possuía vasta experiência no assunto, se dispôs, gentilmente, a dividir seus conhecimentos com André Luiz e Vicente, utilizando símbolos pertinentes à medicina, já que ambos foram médicos na Terra. Disse ele: “(…) Recorde os seus doentes comuns. Muito raramente lembram a medicina preventiva. De modo quase invariável, esperam a positivação das moléstias para buscarem o recurso preciso. Necessitam de anestésicos para o socorro do bisturi. Fogem ao regime tão logo surja a primeira melhora. Confundem o método de tratamento, apenas se registre o primeiro sinal de cura. Detestam a dor que restabelece o equilíbrio. Descontentam-se com a indicação de purgativos. Preferem a medicação de sabor agradável. E, sobretudo, quase sempre querem saber muito mais que os médicos. Esta síntese aplicável a corpos doentes representa, em nosso campo de serviço, o resumo do programa de assistência aos Espíritos enfermos, encarnados na Terra, e com agravantes de vulto, porque, em nosso setor, não podemos manipular a alma, à maneira do cirurgião que opera as amídalas. Somos forçados à preparação do campo mental conveniente, a proceder à semeadura de pensamentos novos, velar pela germinação, ajudar os rebentos minúsculos e aguardar a obra do tempo. Nossa luta não é simples, porque, se o clínico do mundo encontra sempre familiares amorosos, dispostos a cooperar com ele em benefício do doente, o que encontramos, por nossa vez, são enormes legiões de elementos adversos à nossa atividade restauradora e curativa. Em geral, o médico do mundo presta socorro a quem deseja recebê-lo, pelo menos nas ocasiões de graves perigos; nós, porém, meus amigos, muitas vezes temos de prestar assistência aos que não a desejam, por viverem sob véus de profunda ignorância”. [1]
Diante desse relato podemos ter uma pálida ideia do trabalho que damos aos Espíritos amigos. É excelente a comparação das dificuldades encontradas nas atividades de auxílio ao homem terrestre com o desleixo que a maioria dos encarnados tem em relação à medicina preventiva. Infelizmente, uma parte imensa da humanidade se comporta realmente dessa forma. Enquanto não apresentamos problemas de saúde, menosprezamos tudo que diz respeito aos cuidados que devemos ter para com nosso corpo físico. E mesmo quando estamos doentes, abandonamos o tratamento salutar tão logo se manifestem quaisquer sinais iniciais de melhora. Fatalmente, a moléstia retornará depois, com maior gravidade.
Do ponto de vista da assistência dos Espíritos aos encarnados a situação é deveras semelhante. Quase sempre não nos dispomos aos estudos e trabalhos renovadores e edificantes na seara do amor. Se estamos bem, para que se importar com assuntos de ordem espiritual? Se temos saúde, uma boa condição econômica e financeira e um emprego estável, por que nos importarmos com as questões da alma? Entretanto, esses pensamentos costumam passar por profundas modificações quando as dificuldades batem à nossa porta: uma enfermidade grave, um revés financeiro, a perda do trabalho, etc. Em verdade, essas dificuldades são oportunidades que o Pai Celestial nos concede para evoluirmos e faz com que nos voltemos para questões que transcendem o mundo carnal. Via de regra, quando o material vai mal, o homem busca o espiritual. A grande pergunta é: precisa ser assim? E a resposta é por demais óbvia: é claro que não. Ninguém precisa sofrer para se dedicar a mitigar o sofrimento alheio. Ninguém precisa se debater na incompreensão para buscar as luzes do conhecimento espírita-cristão. Ninguém precisa amargar uma existência de dor para perceber que outras pessoas vivem com dores assaz maiores e que, ainda assim, muitos destes levam a vida de forma mais leve, exalando fé e paz, luz e discernimento. Os homens parecem preferir o sofrimento para crescer, olvidando os abundantes convites do Criador para que progridam por amor.
No entanto, a Providência Divina é tão maravilhosa e exultante, que mesmo quando optamos pela ignorância, pela inércia e por tudo que lhes são consequentes, Deus permite à Espiritualidade Amiga vir ao nosso socorro. Esses abnegados companheiros espirituais fazem de tudo para nos tirar do lamaçal em que nos chafurdamos por escolha própria. Porém, para que a empreitada alcance o sucesso esperado é imprescindível que façamos a nossa parte e que queiramos, de fato, sermos auxiliados, reconhecendo e lutando para vencer nossas mazelas. A vida na Terra é feita de escolhas e consequências, e a quantidade dos que sofrem é imensa, mas ainda são poucos os que se dedicam ao amparo fraterno. Por isso, quando perguntado por Aniceto sobre como estava o serviço, o senhor Bacelar respondeu: “Bem, sempre bem. Apenas não podemos fixar demasiada atenção nos companheiros encarnados. (…) É indispensável aprender a servir e passar”.[1] Os Espíritos não fazem o trabalho que nos compete. Eles amparam e orientam, servem e passam, pois o labor com o Cristo é ininterrupto, dinâmico e intenso.
Valdir Pedrosa
[1] Os Mensageiros – Pelo Espírito André Luiz, psicografado por
Francisco Cândido Xavier – capítulo 28 (Vida social).