Sofredores e obsessores
O diálogo entre Cecília, Vicente e André Luiz continuava extremamente proveitoso para nossos amigos. Em dado momento, a filha do casal Bacelar, ao salientar diferenças em alguns serviços entre as colônias “Nosso Lar” e “Campo da Paz”, comentou: “Vocês conhecem lá muitos Espíritos sofredores, mas, em “Campo da Paz”, conhecemos muitos Espíritos obsessores. Lá poderá existir muita gente que ainda chora; mas em nosso meio há muita gente que se revolta. É mais fácil remediar o que geme, que atender ao revoltado. Nas câmaras a que se refere, vocês retificam erros que já apareceram, dores que já se manifestaram; mas aqui, meu amigo, somos compelidos a lutar com irmãos ignorantes e perversos, que se sentem absolutamente certos nas fantasias perigosas que esposaram, e vemo-nos obrigados a atender a doentes que não acreditam na própria enfermidade. (…) Aliás, é natural que assim seja. Estamos a pouca distância dos homens, nossos irmãos na carne. E sabemos que, na Crosta, a situação não é diferente. Quantos materialistas se fantasiam, por lá, de filósofos? Quantos demônios com capa de santos? Quanta má fé a fingir generosidade e boas intenções? A influência da Humanidade encarnada em nosso núcleo de serviço é vigorosa e inevitável.” [1]
Enquanto isso aqui na Terra, dentre as várias atividades realizadas nas instituições espíritas, uma que sempre despertou o interesse e a curiosidade até de quem não é espiritista, é a chamada reunião mediúnica, antigamente denominada sessão espírita. Trata-se de pessoas com um bom nível de conhecimento doutrinário e vivência evangélica que acolhem e atendem os espíritos sofredores e obsessores conduzidos pelos mentores à estas reuniões. Basicamente, os grupos ou equipes são compostas por dirigentes, doutrinadores (ou dialogadores) e médiuns ostensivos (psicofônicos, psicógrafos, videntes, etc.), de sustentação e passistas. Através do intercâmbio mediúnico, os doutrinadores esclarecem, orientam e consolam as entidades comunicantes, sempre com base nos ensinamentos de Jesus e Kardec. Nesses trabalhos recebe-se também a palavra amiga e norteadora da Espiritualidade Superior por meio dos mentores responsáveis pela tarefa.
Bem distintos são os atendimentos ou diálogos, pois deve-se observar a natureza e as condições de cada espírito comunicante. Se por um lado pode-se ter uma conversa
fraterna mais tranquila com os sofredores, baseada no consolo que o Evangelho e o Espiritismo proporcionam, o mesmo não se pode dizer com relação aos obsessores. Via de regra, esses últimos são seres que se agarram às suas vítimas, arvorando-se em verdugos cruéis ou implacáveis justiceiros do Além. A maioria ainda se compraz com a prática do mal, buscando
vingança por situações de vidas passadas, não demonstrando qualquer abertura para o perdão e o entendimento.
Engana-se o dialogador que pensa que pode se impor a esses espíritos utilizando raciocínios longos e de profundo saber doutrinário. Como diz um amigo espiritual, quem se digna a este mister deve se armar da brandura, mas também da firmeza, pois lidará com entidades que, geralmente são sagazes, maliciosas e inteligentes. Sentem prazer ao perturbar o ambiente da reunião e quando derrubam os argumentos apresentados pelos doutrinadores. Jesus ensinou no Evangelho que só é possível doutrinar ou evangelizar essa casta de espírito com oração e jejum.[2] Cabe ressaltar que a oração nos coloca em ligação com os planos mais elevados da vida, de onde recebemos as intuições e inspirações dos nossos mentores e guias. O jejum, sobre o qual o Mestre se refere, não é de alimentos, mas sim o jejum moral, a abstenção de todo o mal que possamos praticar, seja por ações ou pensamentos, pois a moral superior é a única ascendência que possuímos frente a esses irmãos.
Isso me lembra uma passagem sobre exorcistas judeus ambulantes que tentavam invocar os nomes de Jesus e de Paulo sobre os espíritos malignos. Certa feita, foram surpreendidos por um obsessor que lhes revelou que não estavam à altura moral daqueles que invocavam. Em outras palavras, aprenderam às duras penas que não basta falar em nome de alguém; é necessário procedermos sempre da forma mais elevada possível. “Respondendo, porém, o espírito maligno, disse: A Jesus conheço, e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois? Então o homem, no qual estava o espírito maligno, saltando sobre eles, apoderou-se de dois e prevaleceu contra eles, de modo que, nus e feridos, fugiram daquela casa.”[3]
Os guias da humanidade responderam à Allan Kardec que os maus espíritos não renunciam às suas tentativas de prejudicar os homens. Às vezes se afastam e ficam à espreita de um momento propício para atacar. Contudo, o homem pode neutralizar tal influência perniciosa praticando todo o bem possível e colocando sua confiança em Deus. Salientam ainda que tais os obsessores só se apegam aos que, pelos seus desejos os chamam e aos que, pelos seus pensamentos os atraem.[4]
“Deduzo de tudo isso manifestações sacrificiais muito grandes, mas o trabalho em “Campo da Paz” deve ser altamente meritório” – disse Vicente, ao que Cecília respondeu de pronto: “Incontestavelmente”.[1] O estudo, a observação e a prática de alguns anos nessa lide nos levam à mesma conclusão. É muito mais complicado tratar com espíritos obsessores do que com sofredores. Não obstante, seja qual for a circunstância, todos que nos procuram ou que são conduzidos às nossas reuniões devem ser recebidos e tratados com respeito e carinho. É muito provável que, algum dia, estivemos na situação em que eles se encontram agora e que alguém nos estendeu as mãos em nome de Jesus. Façamos o mesmo agora.
Valdir Pedrosa