O sagrado direito à vida
À semelhança dos dias situados entre o inverno e a primavera, durante os quais as duas estações se misturam, assistimos atualmente no planeta um período de transição entre o fechamento de um ciclo civilizatório humano de provas e expiações e o início de um novo tempo – a Terra regenerada do amanhã. O modelo civilizatório dominante no século XX, regido pelo egoísmo e pelo orgulho, não atende mais aos anseios de evolução espiritual do ser humano. Carcomido pelo tempo, esse modo de viver já morreu, mas ainda não foi sepultado. Ao mesmo tempo, um novo tecido social surge, fiado na roca do amor com o duplo fio da fraternidade e da caridade. Todavia, como não tem raízes consolidadas no solo da experiência humana, encontra-se ainda frágil para sobrepujar as forças atávicas do modelo anterior ainda vigente. Por isso mesmo, assistimos todos os dias ao desrespeito e à indiferença pela vida humana, que representam a agonia do velho padrão social estabelecido pela ignorância humana, que teima em resistir ao inevitável advento da Nova Era que se aproxima, na qual o bem prevalecerá sobre o mal.
Allan Kardec, o insigne codificador da Doutrina Espírita, já havia vaticinado em Obras Póstumas, no capítulo “Regeneração da humanidade”, sobre esses tempos difíceis mas necessários ao progresso espiritual do homem. Afirma-nos o mestre de Lyon que do embate entre o homem velho e o homem novo em Cristo resultaria um sem-número de flagelos sociais, dentre os quais a multiplicação dos suicídios, até mesmo entre crianças, e a disseminação da loucura, que atingiria um grande número de seres humanos. E não é isso que temos visto atualmente?
Neste contexto, a valorização da vida na Terra exigirá do homem nova conceituação do modo de viver, à luz das realidades do espírito. Em sua presciência Divina, Jesus, o excelso pedagogo das almas, legou-nos o Evangelho, bússola e roteiro seguro para os dias atuais. Sabedor do grande Enem Espiritual que a humanidade atravessaria, enviou-nos o Espiritismo, consolador prometido, para esclarecer aos homens o significado mais profundo da vida, a fim de que pudessem vencer as aflições do mundo, como Ele fez.
Mas afinal, o que é vida? A pergunta traz em seu bojo outras questões relevantes: Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido da vida? Allan Kardec, no capítulo II do Evangelho Segundo o Espiritismo, item 5, nos esclarece que “a ideia clara e precisa que se faça da vida futura proporciona inabalável fé no porvir, fé que acarreta enormes consequências sobre a moralização dos homens, por que muda completamente o ponto de vista sob o qual encaram eles a vida terrena”. Desconstruir o paradigma materialista de que nada existe antes e após a existência física e apresentar uma nova concepção de vida baseada nos pilares da imortalidade da alma, da lei de causa e efeito, da reencarnação e da vida futura é tarefa precípua da Doutrina Espírita na Terra. Afirma Kardec, ainda neste tópico, que a perspectiva espírita produz impactos profundos na transformação moral do homem, dilatando-lhe o pensamento e descortinando novos horizontes no seu modo de sentir: “em vez dessa visão, acanhada e mesquinha, que o concentra na vida atual, que faz do instante que vivemos na Terra único e frágil eixo do porvir eterno, ele, o Espiritismo, mostra que essa vida não passa de um elo no harmonioso e magnífico conjunto da obra do Criador; mostra a solidariedade que conjuga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Faculta assim uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da alma por ocasião do nascimento de cada corpo torna estranhos uns aos outros todos os seres.”
Assim, somente a adoção do paradigma espiritualista em todas as áreas do conhecimento humano pode devolver ao homem o sentido de viver, substituindo a tristeza, o pessimismo e a depressão pela alegria de ser útil à felicidade do próximo. Por esse motivo o Celeste Benfeitor resumiu a Lei e os profetas em “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Somos espíritos imortais! Eterno, somente Deus, que é incriado, ou seja, existe desde sempre! Tivemos um início, mas jamais teremos um fim. Já habitamos a Terra em numerosas existências. Sempre usufruindo do direito sagrado à Vida, que herdamos do Criador. Os retornos sucessivos à dimensão material nos oferecem a oportunidade de desenvolver os potenciais da alma, em última instância, de evoluir.
Por isso mesmo, o Cristo nos afirma: “Vim para tenhais vida e vida em abundância” (João,10:10). O benfeitor Emmanuel, interpretando a afirmativa do Mestre Divino no livro Palavras de Vida Eterna, capítulo 104, explica: existimos. Existem todas as criaturas saídas do Hálito Criador. A pedra existe, a planta existe, o animal existe… Existem almas nos passos diversos da evolução. Em sentido espiritual, no entanto, viver é algo diferente de existir. A vida é a experiência digna da imortalidade. E nós? Estamos vivendo ou apenas existindo? Para viver segundo o Cristo é preciso alinharmo-nos com o “amai-vos uns aos outros” que Ele nos ensinou. Cada existência na Terra é expressão sagrada da vida imortal que nos foi concedida pela bondade do Pai, mas o que dela fazemos é obra nossa e revela o aproveitamento ou não da abundância que ela, a vida, traz em si mesma.
Emmanuel Chácara
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