Na casa de Isabel
A conversa fraterna entre Aniceto, Vicente e André Luiz continuava no singelo jardim da residência de dona Isabel. Embora a sensação de tranquilidade, de repente leves brisas se transformaram em intensa ventania, acarretando um verdadeiro aguaceiro. Aproveitando a oportunidade, Aniceto destacou que o vento na crosta é sempre uma bênção celestial e que eles, Espíritos desencarnados, podem avaliar melhor seu caráter divino. Assinalou que a pressão atmosférica sobre os encarnados é de quinze mil quilos, aproximadamente. Vicente argumentou que eles não sentiam tamanho peso sobre os ombros. Foi então que Aniceto explicou: “É a diferença dos veículos de manifestação. Nossos corpos e os de nossos companheiros encarnados apresentam diversidade essencial. Imaginemos o círculo da crosta como um oceano de oxigênio. As criaturas terrestres são elementos pesados que se movimentam no fundo, enquanto nós somos as gotas de óleo, que podem voltar à tona, sem maiores dificuldades, pela qualidade do material de que se constituem”.[1] Eis aí uma das diferenças entre o corpo físico e o espiritual, chamado por Allan Kardec de perispírito.
Diante do que ocorria, André notou a presença de entidades sombrias, algumas monstruosas, se arrastando pelas vias públicas em busca de abrigo contra a tempestade. Muitas se dirigiam à casa de dona Isabel e, logo depois, recuavam com medo. Novamente Aniceto esclareceu: “Não temam. Sempre que ameaça tempestade, os seres vagabundos da sombra se movimentam procurando asilo. São os ignorantes que vagueiam nas ruas, escravizados às sensações mais fortes dos sentidos físicos. Encontram-se ainda colados às expressões mais baixas da experiência terrestre e os aguaceiros os incomodam tanto quanto ao homem comum, distante do lar. Buscam, de preferência, as casas de diversão noturna, onde a ociosidade encontra válvula nas dissipações. Quando isto não se lhes torna acessível, penetram as residências abertas, considerando que, para eles, a matéria do plano ainda apresenta a mesma densidade característica”.[1]
É interessante notar que tais Espíritos estavam tão materializados e tão animalizados que se comportavam como se vivessem no plano físico. Possuíam o perispírito muito grosseiro e experimentavam as mesmas sensações dos homens. Apavorados com o poder do temporal que caía, fugiam para lugares que lhes permitissem a entrada.
Mais uma vez, o mentor espiritual chamou a atenção de seus pupilos para o aprendizado: “Observem como se inclinam para cá, fugindo, em seguida, espantados e inquietos. Estamos colhendo mais um ensinamento sobre os efeitos da prece. Nunca poderemos enumerar todos os benefícios da oração. Toda vez que se ora num lar, prepara-se a melhoria do ambiente doméstico. Cada prece do coração constitui emissão eletromagnética de relativo poder. Por isso mesmo, o culto familiar do Evangelho não é tão só um curso de iluminação interior, mas também processo avançado de defesa exterior, pelas claridades espirituais que acende em torno. O homem que ora traz consigo inalienável couraça. O lar que cultiva a prece transforma-se em fortaleza, compreenderam? As entidades da sombra experimentam choques de vulto, em contato com as vibrações luminosas deste santuário doméstico, e é por isso que se mantêm a distância, procurando outros rumos…”.[1] Depois desta lição tão cristalina, fica repetitivo qualquer comentário de nossa parte a respeito da importância da oração. Ressaltamos apenas que a prece é um dos mais poderosos recursos de que dispomos em nossa vida. Por isso mesmo, precisamos aprender a utilizá-la com sabedoria e amor.
Decorridos alguns momentos, Isidoro e Isabel, ele desencarnado e ela encarnada, mas emancipada do corpo físico por efeito do sono, surgem de braços dados, transbordando felicidade. André se surpreende, pois até então havia percebido em Isabel apenas a viúva pobre que vivia em um bairro humilde. No entanto, desprendida das vestes carnais, ela se apresentava linda e com a singeleza que lhe era peculiar. Sorridente e amável como sempre, a esposa de Isidoro informou que estavam partindo rumo a uma excursão instrutiva e que deixavam as crianças adormecidas sob o carinhoso cuidado dos amigos espirituais.
Com a expressão de sublime noivado, o casal partiu deixando no ar o momento propício para Aniceto, com sua grande sapiência, nos ensinar mais uma vez: “Observam vocês como a felicidade divina se manifesta no sono dos justos? Poucas almas encarnadas conheço com a ventura desta mulher admirável, que tem sabido aprender a ciência do sacrifício individual”.[1]
Valdir Pedrosa
[1] Os Mensageiros – Pelo Espírito André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier – capítulo 37 (No santuário doméstico).
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