A distinção entre seres orgânicos e inorgânicos e a importância do princípio vital
Encerrando a parte primeira de O Livro do Espíritos, temos o capítulo IV, intitulado “Princípio Vital”, o qual foi didaticamente apresentado depois daqueles outros destinados ao estudo de Deus, dos elementos gerais do universo e da criação. Neste último capítulo, as atenções se voltarão para compreender os conceitos e as diferenças, sob a ótica espiritista, entre seres orgânicos e inorgânicos, vida e morte, inteligência e instinto.
De início, destaca-se a didática da exposição do tema, pois se parte de uma distinção maior, isto é, entre seres inorgânicos e orgânicos, para, então, centrar-se em temas relacionados aos seres orgânicos, que são vida e morte, inteligência e instinto.
Seguindo este roteiro, conforme nos ensinam os espíritos superiores nas respostas às perguntas 60 a 62 de O Livro dos Espíritos, vemos que a diferença entre os seres orgânicos e inorgânicos não está na matéria em si que os constituem e nem na força que une os elementos materiais que integram os seus corpos, mas no fato de que a matéria que constitui os seres orgânicos é animalizada, isto é, unida ao princípio vital.
Portanto, o princípio vital desempenha papel fundamental na caracterização de um ser orgânico. Como ensina Kardec na Introdução de O Livro dos Espíritos, o princípio vital é “[…] o princípio da vida material e orgânica, qualquer que seja a fonte donde promane, princípio esse comum a todos os seres vivos, desde as plantas até os homens”. Portanto, pouco importa se estamos diante de um ser orgânico inteligente ou não: tendo ele vitalidade, a matéria que o constitui estará animalizada e, pois, ligada ao princípio vital. Assim, “[…] há um fato que ninguém ousaria contestar, pois resulta da observação: que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que determina o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres orgânicos e independe da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; finalmente, que entre as espécies há uma dotada também de um senso moral especial, que lhe dá incontestável superioridade sobre as outras: a espécie humana” (Livro dos Espíritos, FEB, 2007:18).
Dada a relevância da compreensão do princípio vital para a caracterização dos seres orgânicos, Allan Kardec aprofunda no estudo do tema e, na pergunta 63, questiona os espíritos da codificação se tal princípio residiria nalgum agente particular ou se seria propriedade da matéria organizada, isto é, se poderia ser considerado como causa ou consequência da vida orgânica. Em resposta, esclarecem os espíritos que o princípio vital seria ambas as coisas, pois a vida é efeito de tal agente sobre a matéria e ele dá vida aos seres que o absorvem e assimilam. Portanto, da mesma maneira que a matéria não pode viver sem a ação de tal princípio, este, sem a matéria, não é vida, por isso é considerado causa e efeito da vida do ser orgânico.
Nesse contexto, como ensinam os espíritos superiores na resposta à pergunta 67 da mesma obra, a vitalidade não é atributo permanente do agente vital, já que se desenvolve com o corpo. Assim, isoladamente, o princípio vital não é vida, sendo, portanto, necessária a sua união com a matéria e é por isso que a vitalidade estará em estado latente enquanto o princípio vital não estiver unido ao corpo.
Apesar da importância do princípio vital na constituição do universo, não é ele um dos seus elementos primitivos, ao lado do espírito e da matéria. É, como ensinam os espíritos na pergunta 64 de O Livro dos Espíritos, uma derivação da matéria universal modificada. E como se vê da resposta à pergunta 65, o princípio vital “[…] tem por fonte o fluido universal. É o que chamais fluido magnético, ou fluido elétrico animalizado. É o intermediário, o elo existente entre o Espírito e a matéria”.
Esclareça-se, por oportuno, que o princípio vital, a teor da resposta à pergunta 66 da obra de Kardec, é o mesmo para os seres orgânicos, porém modificado segundo as várias espécies existentes, sendo responsável por lhes conferir movimento e atividade. Nesse ponto, veja que o movimento da matéria em si não é a vida, mas consequência dela.
Ao ensejo de compreender melhor a discussão em torno do princípio vital, vale trazer uma explicação de Allan Kardec sobre o tema contida em A Gênese:
“Tomamos para termo de comparação o calor que se desenvolve pelo movimento de uma roda, por ser um efeito vulgar, que todo mundo conhece, e mais fácil de compreender- -se. Mais exato, no entanto, houvéramos sido, dizendo que, na combinação dos elementos para formarem os corpos orgânicos, desenvolve-se eletricidade. Os corpos orgânicos seriam, então, verdadeiras pilhas elétricas, que funcionam enquanto os elementos dessas pilhas se acham em condições de produzir eletricidade: é a vida; que deixam de funcionar, quando tais condições desaparecem; é a morte. Segundo essa maneira de ver, o princípio vital não seria mais do que uma espécie particular de eletricidade, denominada eletricidade animal, que durante a vida se desprende pela ação dos órgãos e cuja produção cessa, quando da morte, por se extinguir tal ação”. (A Gênese, FEB, 2008: 228).
Como se vê, a constatação da vida orgânica é, em si, muito complexa, pois, apesar de nos ter sido revelado que ela ocorre a partir da união da matéria ao princípio vital, o modo como efetivamente essa união se dá e como se constitui plenamente a essência de tal princípio são dados que fogem de nossa compreensão. Contudo, isso não nos impede de reconhecermos que o simples fato de existirmos e de vivermos já é algo que é fruto de uma complexidade tamanha que apenas um Ser que nos ama ao infinito seria capaz de fazer.
Frederico Barbosa Gomes
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