Reencontros oníricos
Já passava das vinte e três horas. Dona Isabel e seus filhos se recolheram em aposento modesto e uma sensação intraduzível de paz inundava a todos, encarnados e desencarnados. Vários amigos espirituais se encontravam no pequeno jardim que rodeava a singela residência. Lá se encontrava uma entidade, assim reconhecida por Aniceto:
“- Esta é a nossa Irmã Emília, servidora em Nosso Lar, que vem ao encontro do esposo ainda encarnado.
– E ele virá até aqui? – interrogou Vicente, curioso.
– Virá pelas portas do sono físico – acrescentou nosso orientador, sorridente. – Estas ocorrências, no círculo da Crosta, dão-se aos milhares, todas as noites. Com a maioria de irmãos encarnados, o sono apenas reflete as perturbações fisiológicas ou sentimentais a que se entregam; entretanto, existe grande número de pessoas que, com mais ou menos precisão, estão aptas a desenvolver este intercâmbio espiritual”.[1]
Segundo o confrade Martins Peralva, em seu livro Estudando a Mediunidade, existem, basicamente, três tipos de sonhos: os comuns, que refletem as lembranças de quadros que permanecem impressos na própria mente; os reflexivos, que são aqueles em que o desprendimento ou emancipação da alma permite um mergulho mais profundo em nossos registros perispirituais, recuperando imagens, cenas de vidas passadas; e os espíritas, que são lembranças de nossa vivência real no mundo dos espíritos. São recordações de encontros, estudos que participamos, conversas, tarefas que desenvolvemos, etc. Além disso, podem surgir ocorrências desagradáveis e perseguições em função da sintonia espiritual.
Os mentores da Doutrina Espírita explicaram a Allan Kardec que a alma não repousa como o corpo, uma vez que “o Espírito jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não precisando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos”.[2] Ensinaram ainda, dentre outras coisas, o motivo pelo qual nem sempre nos lembramos dos sonhos: “em o que chamas sono, só há o repouso do corpo, visto que o Espírito está constantemente em atividade. Recobra, durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde com os que lhe são caros, quer neste mundo, quer em outros. Mas, como é pesada e grosseira a matéria que compõe, o corpo dificilmente conserva as impressões que o Espírito recebeu, porque a este não chegaram por intermédio dos órgãos corporais”.[3]
Todas essas informações são extremamente consoladoras, pois confirmam, até mesmo para os mais incrédulos, que é possível manter contato com os entes queridos que nos precederam no retorno à Pátria Espiritual. Não vou dizer que é impossível, porque há pessoas que não possuem aptidão para este tipo de contato, mas é muito raro encontrar alguém que nunca “sonhou” com um familiar ou amigo já desencarnado. Do mesmo modo, não é incomum escutarmos relatos de indivíduos que “sonharam” que estavam fugindo de uma perseguição, na qual alguém queria pegá-los. Está tudo explicado nos parágrafos anteriores. Pode ser um sonho comum ou reflexivo, pode ser sobre algo que nos impressionou durante o dia enquanto estávamos em estado de vigília. Contudo, a probabilidade de ser um encontro real no mundo dos espíritos é muito grande.
As obras de André Luiz apresentam diversas passagens nas quais são demonstradas a presença de encarnados no plano espiritual, parcialmente desligados de seus corpos físicos em função do sono. Nestas situações, eles participam de diversos eventos de instrução e trabalho, se encontram com afetos, mas também podem sofrer cobranças e perseguições de desafetos do Além-Túmulo. De qualquer forma, é uma porta que possuímos para a vida depois do mundo físico. É importante salientar que, nestes momentos preciosos de liberdade, o espírito é atraído ou levado para locais com os quais tenha afinidade e para junto de companhias de vibrações semelhantes às suas.
Ressaltando o lado positivo do assunto, lembramos que o homem comum sempre relacionou sonhos à esperança. O Espiritismo vem provar essa realidade, pois através do sonhar pode o homem alimentar não apenas a esperança, mas sobretudo a certeza de que se encontrará com entidades queridas que velam por ele, habitualmente dispostas a lhe oferecer carinho, consolo e orientação. São genuínos reencontros oníricos. No entanto é bom ter em mente o alerta de que os sonhos, sejam eles comuns, reflexivos ou espíritas, serão uma consequência do tipo de vida que levamos quando estamos despertos no mundo material. Até mesmo a natureza de nossos sonhos e os Espíritos neles presentes são de responsabilidade do encarnado.
Valdir Pedrosa
[1] Os Mensageiros – Pelo Espírito André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier – capítulo 37 (No santuário doméstico).
[2] O Livro dos Espíritos – Allan Kardec – 2ª parte – capítulo 8 (Da emancipação da alma) – questão 401.
[3] O Livro dos Espíritos – Allan Kardec – 2ª parte – capítulo 8 (Da emancipação da alma) – questão 403
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