Considerações gerais sobre espírito e matéria
Dentre os intrigantes temas tratados em O Livro dos Espíritos, as discussões sobre espírito e matéria ocupam lugar de destaque. São questões de alta indagação e abstração, sobre as quais já se debruçaram as mais brilhantes mentes que povoaram (e que povoam) a Terra. De certa forma, tais discussões remontam à origem humana e sinalizam para um caminho que permite pensar o futuro humano, despertando, assim, tanto interesse, ao mesmo tempo em que oferece tantas dificuldades, pois o homem ainda é incapaz de apreender, com a profundidade que a questão requer, todas as suas sutilezas.
Não obstante tais limitações, Allan Kardec, fiel aos seus propósitos de construir uma fé raciocinada, enfrentou essa delicada questão, submetendo aos instrutores espirituais várias perguntas sobre o tema, como se vê em várias passagens de O Livro dos Espíritos. Neste artigo, em particular, concentraremos nossa atenção às perguntas de número 21 a 28, onde o tema é tratado com singular profundidade.
De forma sintética, ensinam os instrutores espirituais que dois são os elementos gerais do universo: a matéria (elemento material) e o espírito (elemento inteligente); e, acima de tudo, está Deus, integrando o que os Espíritos da codificação denominaram de a “trindade universal” (vide pergunta 27 de O Livro dos Espíritos).
Deus, como vimos, não está no plano da matéria e do espírito, pois Ele é o criador. Apesar da dificuldade de entender o Seu conceito, é Ele a inteligência suprema e a causa primeira de todas as coisas, tendo como atributos a eternidade, a imutabilidade, a imaterialidade, a unicidade, a onipotência e bondade e justiça em grau superlativo.
O espírito e a matéria, por sua vez, integram o plano da criação. Enquanto que o espírito é definido, na pergunta 23 de O Livro dos Espíritos, como “o princípio inteligente do Universo”, a matéria é conceituada na letra “a” da pergunta 22 como “[…] o laço que prende o espírito; é o instrumento de que ele se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce a sua ação”.
Esclareça-se que não podemos tentar entender matéria a partir de uma concepção de senso comum, mediante associação de seu conceito àquilo que impressiona nossos sentidos. Como ensinam os instrutores espirituais na pergunta 22 de O Livro dos Espíritos, “[…] a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil, que nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria. Para vós, porém não o seria”. A atual ciência vai nessa linha, especialmente a física quântica e a teoria da relatividade, ao propor nova relação entre matéria e energia, sendo ambas, em essência, iguais, diferindo- -se apenas quanto ao grau de condensação.
O mesmo se aplica ao conceito de espírito. Ensinam os instrutores espirituais, nas perguntas 25 e 26 de O Livro dos Espíritos, que espírito e matéria não se confundem, podendo tal distinção ser concebida pelo pensamento. Contudo, ambos se unem para intelectualizar a matéria e para permitir, no atual estágio evolutivo, a manifestação do espírito, pois nossa organização ainda não é apta a perceber espírito sem matéria.
Ocorre que, ao se dizer que espírito e matéria são coisas distintas, intuitivamente – porque somos presos às dimensões do tempo e do espaço – somos tentados a pensar que o espírito seria um nada, pois ainda temos dificuldades em admitir a existência de algo que não é matéria. Para, no entanto, evitar essa má compreensão, os Espíritos ensinam na letra “a” da pergunta 23 de O Livro dos Espíritos que “não é fácil analisar o espírito com vossa linguagem. Para vós, ele nada é, por não ser palpável. Para nós, entretanto, é alguma coisa. Ficai sabendo: coisa nenhuma é o nada e o nada não existe”.
Vale esclarecer, ainda, que é inexato equiparar inteligência com espírito, já que a primeira é um atributo do segundo, conforme pergunta 24 de O Livro dos Espíritos. Da mesma forma, “espírito”, como princípio inteligente, não se confunde com “Espírito”, pois este é a individualização daquele princípio, o mesmo valendo para princípio material e corpo, já que este é a individualização daquele, como se vê da pergunta 79 daquele livro. Não sabemos, no entanto, no nosso atual estágio evolutivo, quando e como ambos os princípios (material e inteligente) e mesmo o corpo e o Espírito são criados.
Como espírito e matéria são distintos, resta saber como o primeiro pode exercer ação sobre o segundo. Para tanto, torna-se indispensável a mediação do fluido universal. Segundo a pergunta 27 de O Livro dos Espíritos, “[…] Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo como elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse positivamente matéria, razão não haveria para que também o espírito não o fosse. Está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas suas inumeráveis combinações com está e sob a ação do espírito, e produzir a infinita variedade de coisas de que apenas conheceis uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá”.
Como se vê, o estudo do espírito e da matéria é intrincado, complexo e denso, e a ele voltaremos outras vezes, advertindo, apenas, que ainda estamos nos seus primeiros passos. Mesmo assim, tudo isso nos mostra a grandeza da criação e como somos privilegiados por um dia, por decisão de Deus, nosso pai, termos sido criados e inseridos nesse contexto de crescimento e aprendizado, o qual é regado por tanto amor e cuidado.
Frederico Barbosa Gomes