Inteligência e Instinto

A parte final do capítulo IV de O Livro dos Espíritos, intitulado “Do Princípio Vital” (perguntas 71 a 75), volta-se ao estudo da inteligência e do instinto. Com o estudo do tema proposto, encerra-se, também, a Parte Primeira daquela obra, que foi estruturada para trazer os esclarecimentos dos Espíritos superiores acerca “Das Causas Primárias”.

Em nota à pergunta 71 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec define inteligência como “(…) uma faculdade especial, peculiar a algumas classes de seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de atuar, a consciência de que existem e de que constituem uma individualidade cada um, assim como os meios de estabelecerem relação com o mundo exterior” (FEB, 2007:96). Como Allan Kardec anota em A Gênese, “a inteligência se revela por atos voluntários, refletidos, premeditados, combinados, de acordo com a oportunidade das circunstâncias” (FEB, 2009:66).

A inteligência, que é um atributo do espírito, permite que o ser tenha consciência de si, de sua existência e individualidade; que faça cultura, compreenda símbolos, atribua-lhes significados e desenvolva linguagem; que tenha memória, racionalidade e dimensão temporal (passado, presente e futuro); que possa exercer o livre arbítrio e fazer escolhas. A inteligência acompanha o processo evolutivo, ampliando-se proporcionalmente aos aprendizados adquiridos pelo indivíduo.

Por outro lado, o instinto é definido por Allan Kardec, em A Gênese, como “(…) a força oculta que impele os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários, tendo em vista a sua conservação” (FEB: 2009:65). O instinto é marcado por automatismo, irreflexão, sendo fruto de impulsos que independem da vontade e que se destinam à conservação do indivíduo e da espécie. Assim, diferente da inteligência, o instinto surge espontaneamente no indivíduo, não se ampliando em processo de aprendizagem.

As definições de inteligência e de instinto poderiam nos levar a crer que entre eles não há correlação, ou, então, que a primeira decorreria de um aprimoramento da segunda. Se tal fosse a verdade, a conclusão que teríamos é que paulatinamente o instinto cederia lugar para a inteligência. Isso, contudo, não é real, pois, mesmo que o indivíduo tenha ampliada a sua inteligência, não se verá despido dos instintos, o que demonstra que ambas coexistem e que têm funções e importâncias próprias para a vida como um todo.

Isso, aliás, é que nos ensinam os Espíritos da codificação, ao nos esclarecer que: (i) o instinto não independe da inteligência, pois “(…) o instinto é uma espécie de inteligência. É uma inteligência sem raciocínio. Por ele é que todos os seres proveem às suas necessidades” (pergunta 73, LE); (ii) não é possível estabelecer linha de separação entre instinto e inteligência, fixando o ponto onde um acaba e a outra inicia, já que eles “(…) muitas vezes se confundem”, muito embora seja possível “(…) distinguir os atos que decorrem do instinto dos que são da inteligência” (pergunta 74, LE), para o quê contribuirão as definições acima apresentadas; e (iii) não é acertado dizer que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais, porquanto “o instinto existe sempre, mas o homem o despreza” (pergunta 75, LE).

A bem da verdade, como ensinam os Espíritos da codificação na pergunta 75 de O Livro dos Espíritos, o instinto, para além do seu papel de conservação e de preservação, pode nos conduzir ao bem, pois “ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia”. O mesmo não se dá com a razão, já que ela não é infalível, e isso porque é “(…) falseada pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio”, e é nesse momento que, movidos pela ganância, pelo ódio, pela inveja, pelo orgulho e egoísmo, acabamos optando pelo caminho mais tortuoso e que nos distancia das leis divinas.

Vale esclarecer que a inteligência não é um atributo do princípio vital, pois, como ensinam os Espíritos superiores na pergunta 71 de O Livro dos Espíritos, as plantas, por exemplo, têm vida orgânica, mas não possuem inteligência. Ou seja: a vida não depende da inteligência, muito embora esta, para se manifestar, dependa de órgãos materiais dotados de vitalidade. É necessário, pois, que o espírito se una à matéria animalizada para intelectualizá-la. E tal explicação permitiu a Allan Kardec criar uma classificação na nota que elaborou na resposta à citada pergunta 71 para elucidar o ensinamento passado, estabelecendo a seguinte distinção entre os seres da criação: (i) seres inanimados constituídos só de matéria, sem vitalidade nem inteligência, que são os corpos brutos; (ii) seres animados, formados de matéria e vitalidade, porém que não pensam; (iii) seres animados pensantes, formados de matéria, com vitalidade e tendo um princípio inteligente que lhes permite pensar.

A fonte da inteligência é a inteligência universal, sendo “(…) uma faculdade própria de cada ser e constitui a sua individualidade moral” (pergunta 72, LE). O modo, contudo, como o ser se apropria dessa inteligência e como esse processo se dá são ainda desconhecidos por nós, já que ainda não temos condições de apreender toda a mecânica da criação, haja vista o nosso nível evolutivo.

Enfim, apesar de todas as questões conceituais apresentadas, fato é que instinto e inteligência são artifícios com os quais a sabedoria divina nos habilitou para proteção, conservação, aprendizagem e evolução. Cabe-nos, então, honrar tamanha misericórdia, e dar-lhes a devida destinação para bem contribuir na seara do Pai.

 Frederico Barbosa Gomes