Ajuntai o trigo no meu celeiro

Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O Reino dos céus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres, pois, que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.” (Mateus, 13:24-46)
A parábola do Joio e do Trigo é bastante curiosa e instrutiva. Inicialmente destaco que Jesus não impõe um ensinamento por meio de uma parábola. Ele apenas propõe. “Propôs-lhes outra parábola, dizendo…”. Isso significa que o aprendizado e seu consequente efeito transformador dependem do desejo sincero do aprendiz. E que nenhuma mudança acontecerá por imposição. Dizendo de outro modo, a lição está aí, aproveita quem quiser.
Jesus compara o “Reino dos Céus” a um campo de cultivo. O homem que faz uso da boa semente representa a boa vontade e a bondade latente que há em cada ser criado a imagem e semelhança de Deus. No entanto, o sono dos homens citado na parábola é um alerta para a facilidade que temos em desconsiderar essa bondade inerente que há em todos nós. Toda vez que priorizamos o ter em detrimento ao ser, dormimos. É neste instante que “veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se”. Perceba que o inimigo é seu. Veio o seu inimigo! Nós o permitimos. Nós o cultivamos, tanto que… “quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio”.
Afinal, quais são os nossos inimigos? O que nos tem “adormecido” diante da perspectiva do crescimento espiritual? De modo didático e simplificado, arrisco dizer que nos dias atuais tudo que nos compromete a qualidade do descanso noturno é um inimigo a ser abatido. Redes sociais e maratona de séries ao longo da madrugada, arrependimento por diálogos agressivos, alimentação em desalinho, consumo de álcool e outras drogas, sensualidade viciada, sobrecarga de trabalho, preocupação excessiva com bens móveis e imóveis, negligência na educação de filhos, infidelidade, pensamentos obsessivos por vingança, entre tantos outros.
Uma análise precipitada pode sugerir que a atitude natural é eliminar imediatamente esses males da nossa vida. Mas, não é bem assim que alcançamos êxito. Esses inimigos não se implantaram de um dia para o outro. Eles pertencem à nossa história de vida e para extirpá-los de forma definitiva torna-se necessário conhecê-los profundamente, reconhecendo quais foram as atitudes que os geraram e as motivações que os mantém. “Queres, pois, que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não.”
A parábola esclarece de modo inequívoco que qualquer atitude superficial de mudança está fadada ao fracasso. Quantas vezes, por impulso irrefletido e caráter de urgência, buscamos remédios, cirurgias, dietas, atividade física, religião, enfim, e por não alcançarmos a “cura milagrosa” desistimos nas primeiras horas agravando o quadro? Por que isso acontece? Segundo o ensinamento, faltou deixar o joio crescer, ou seja, conhecer muito bem o inimigo para não comprometer todo o sistema. O inimigo está sediado na essência, não na aparência. “Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar”.
Colher primeiramente o joio é promover a tão propagada e necessária reforma íntima. É revestir-se de humildade a partir do entendimento que viver é espiritualizar-se, e espiritualizar-se é acordar cada manhã e se movimentar ao longo do dia como espírito e não apenas como um corpo desejante. É conhecer o Cristo e deixar-se envolver por seus valores, aplicando-os especialmente no seio da família e na sociedade. Agindo assim poderemos colher o trigo. E o que fazer com ele? Ahh, o trigo? “Mas o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.”

Vinícius Trindade